ensaio #002: O conceito de morte
Só cremos na morte abstratamente, dizem, mas isso é o inverso do que acontece. Só acreditamos na morte concreta: fazemos o replay em câmera lenta do fato da morte, da passagem da pessoa ao cadáver, contemplamos os mortos, repetimos o fato literal de que vamos morrer. Mas não temos em nós essa experiência, não passamos por ela: não conseguimos concebê-la. Pela morte concreta só passaram os outros, e nunca você ou eu. Isso é desconhecer a morte como abstração. A morte é o decreto final de que a posse que temos do corpo, da experiência, da vida, é limitada. A morte é o último roubo, o roubo total. Mas sofremos roubos menores todos os dias. A criança é tão rica que não consegue dar por isso, mas na vida adulta sempre percebemos alguma nova diminuição da fortuna, o fundo fosco do cofre aparecendo onde antes havia moedas. Esse é um conceito cuja realidade, para ser percebida, não precisa da morte literal. Há limites para a nossa posse agora . Não é somente a morte que a limita, e essa é uma ...