retrato #001

Espichada e magra como um palito de churrasco, dava a impressão de que se podia alojá-la entre indicador e médio, girá-la entre os dedos. Era a única atendente da pequena filial do laboratório dentro do Instituto do Sono. Enquanto se paramentava (luvas, touca, jaleco, máscara e escudo facial), claramente recém-chegada, fui entrando na saleta dividida em dois cubos. “Sim? Sim?” — com voz de carrasca, claramente irritada. Pensei: “ah, então é assim que vai ser?”, e preparei as armas, fiquei de prontidão para ser agressivo. Disse que eu tinha um exame marcado. Ela respondeu que eu esperasse lá fora, porque havia pacientes na minha frente. Saí, sentei numa das muitas cadeiras da recepção. Ela atendeu uma mulher (conversaram bastante), e depois me chamou. Já havia assumido uma personagem diferente, mas não ouvi nenhum tom escusatório que indicasse consciência da agressividade anterior. Pediu as carteiras de identidade e do plano. Logo viu que o meu exame já estava registrado no sistema, e comemorou com a voz fininha. Festejou também ao ver que os itens do pedido estavam todos “na ordem”, não entendi bem qual. Reparei na mesa bem organizada, nas mãos — com as luvas transparentes envolvendo frouxamente os dedos magros — sobre o teclado negro do computador. Foi gentil, disse que eu colocasse a mochila grande sobre o balcão pequeno. Pediu que eu assinasse alguns papéis. Assinei e fomos para a outra partição. Sentei-me. Enquanto ela preparava seringa, agulha, tubos, perguntou se eu tinha dormido bem — os clientes daquele horário, deduzi, vinham sempre do exame de polissonografia do sono, como eu. Já me divertindo, respondi que muito pouco, que tinha muita insônia, que eu era o campeão da insônia. Ela, respondendo também com brincadeira na voz, disse que ah, mas eu não era, porque a campeã da insônia era ela. A conversa prosseguiu sem eu conseguir entender muita coisa, ela de costas e protegida pelas barreiras anti-corona — que, comentou depois com orgulho, ainda não havia pegado. Decidiu que na pior das hipóteses empatávamos no campeonato de insones. Puxou o sangue, com mãos um pouco trêmulas. Quando tirou a agulha, disse que eu apertasse no braço o algodão oferecido para estancar o pequeno sangramento. Virou-se e logo voltou com um band-aid redondo, e pediu que eu tirasse o algodão. Tirei, deixando na minha pele um pequeno rastro de sangue. Ela pediu o algodão de volta, dizendo, sempre em voz fofa, “nem se limpar ele se limpa”, enquanto limpava o sangue. Depois, de volta à minúscula recepção, me entregou um papel que eu usaria para pegar o resultado. Me dei conta de que eu não tinha um papel equivalente para o resultado do outro exame. “Para ele você não precisa de papel, não. E para o resultado do meu exame também não — só dei o papel porque gosto de seguir o protocolo todo direitinho.” Agressão, fofura e neurose nela se alternavam sem transição, não se ouvia a troca de marchas. Se na Alemanha nazista fosse responsável por colocar os judeus no forno, sairiam todos sempre no ponto.

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